Equidade de Gênero na Lei: PL 4954/2025

Análise do PL 4954/2025: A Lei Maria da Penha pode proteger homens? Exploramos a equidade de gênero e o desafio de uma justiça mais equilibrada na violência doméstica.

DIREITO E CIDADANIA

Rodney Rinaldi Advogado

10/10/20257 min read

Resumo

Este artigo, em 10 de outubro de 2025, analisa o Projeto de Lei nº 4954/2025 que propõe a inclusão do Art. 40-B na Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), estendendo as medidas protetivas de urgência a homens vítimas de violência doméstica e familiar. A análise aborda aspectos antropológicos, evolutivos, jurídicos, constitucionais, carcerários e comparativos, destacando a necessidade de equilíbrio entre proteção e responsabilização. Além disso, discute a inconstitucionalidade material gerada pela desproporcionalidade de leis favoráveis às mulheres e a ausência de punição para falsas denúncias. Por fim, propõe reflexões sobre a construção de uma justiça equitativa e equilibrada.

Introdução

O Projeto de Lei nº 4954/2025, de autoria da Deputada Júlia Zanatta, busca alterar a Lei Maria da Penha para estender as medidas protetivas de urgência a homens, independentemente de sua condição de vulnerabilidade, desde que caracterizada a violência doméstica e familiar. A proposta surge em um contexto de crescente debate sobre a equidade de gênero no ordenamento jurídico brasileiro, levantando questões sobre a constitucionalidade, a proporcionalidade e a efetividade das normas de proteção.

Este artigo, elaborado sob a perspectiva de um operador do direito, analisa o projeto de lei em seus múltiplos aspectos, com base em fontes doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas, além de estudos comparativos com outros países. A análise busca fomentar um debate crítico e construtivo sobre a necessidade de equilíbrio entre proteção e responsabilização, visando uma justiça verdadeiramente equitativa.

1. Aspectos Antropológicos e Evolutivos: Da Vulnerabilidade Histórica ao Reconhecimento Moderno

Historicamente, as mulheres foram associadas a uma posição de vulnerabilidade, tanto física quanto social, em virtude de construções culturais e antropológicas que as colocavam em desvantagem em relação aos homens. Essa percepção, embora simplista, justificou a criação de normas protetivas específicas, como a Lei Maria da Penha, que reconheceu a violência de gênero como um problema estrutural.

No entanto, a evolução social e o reconhecimento do papel da mulher na vida moderna e contemporânea transcenderam essas concepções. Como destaca Simone de Beauvoir (1980, p. 9), "não se nasce mulher, torna-se mulher", sublinhando a construção social do gênero sobre a biológica. Essa transformação impõe a necessidade de reavaliar as normas jurídicas, garantindo proteção a todos os indivíduos, independentemente de seu sexo.

2. Aspectos Jurídicos: Penas, Constitucionalidade e a Sombra da Iniquidade

2.1. A Necessidade de Penas Mais Duras e a Banalização da Violência

O sistema penal brasileiro, marcado pela superlotação e pela progressão de regime, contribui para a banalização da violência. A Lei Maria da Penha buscou mitigar esse problema ao prever medidas protetivas de urgência e um rito processual mais célere. Contudo, a extensão dessas medidas aos homens, como propõe o PL 4954/2025, não resolve o problema estrutural da efetividade das penas.

2.2. Constitucionalidade e Uso Político

A Lei Maria da Penha foi validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 4424, que reconheceu sua legitimidade como ação afirmativa para corrigir desigualdades históricas. No entanto, o uso político de pautas relacionadas às mulheres como nicho de mercado eleitoral levanta questionamentos sobre a verdadeira hermenêutica constitucional. A proteção de um grupo não pode ser instrumentalizada para fins políticos, sob pena de desvirtuar o propósito original da norma.

2.3. Inconstitucionalidade Material e Desproporcionalidade

A desproporcionalidade de leis favoráveis às mulheres e a ausência de punição para falsas denúncias geram uma inconstitucionalidade material que viola os princípios da igualdade (Art. 5º, I, da Constituição Federal) e do devido processo legal (Art. 5º, LIV). A falsa denúncia, prevista como crime no Art. 339 do Código Penal, raramente é punida, criando um vácuo de impunidade que deslegitima a luta das verdadeiras vítimas.

3. Aspectos Carcerário: A Banalização da Violência no Sistema Penal Brasileiro

O sistema jurídico-carcerário brasileiro, com sua progressão de regime e penas reduzidas, transmite à sociedade a mensagem de que a violência não é punida com a devida severidade. Isso se aplica tanto a homens quanto a mulheres, perpetuando a sensação de impunidade e a descrença na justiça. A proposta do PL 4954/2025, ao ampliar as medidas protetivas, pode ser um passo na direção certa, mas não resolve o problema estrutural da banalização da violência.

4. Análise Comparativa: Américas e Europa

Nos Estados Unidos, as leis de violência doméstica são gênero-neutras, focando na proteção da vítima, independentemente de seu sexo. Na Europa, a Convenção de Istambul reconhece que a violência doméstica pode afetar homens e mulheres, incentivando a proteção de todas as vítimas. O Brasil, com a Lei Maria da Penha, adota uma abordagem específica para mulheres, mas o PL 4954/2025 tenta aproximar o país de uma perspectiva mais ampla e inclusiva.

5. Tópico Específico: A Urgência de um Reequilíbrio Jurisprudencial

A proposta do PL 4954/2025 evidencia a necessidade de um reequilíbrio jurisprudencial e legislativo. A proteção de homens vítimas de violência doméstica é legítima, mas deve ser acompanhada de mecanismos eficazes contra falsas denúncias e de garantia de ampla defesa para os acusados. A ausência de punição para a falsa denúncia é um dos maiores fatores de desequilíbrio, minando a confiança na justiça.

Análise SWOT da Eventual Promulgação do PL 4954/2025

Forças (Strengths):

  • Ampliação da Proteção: Estende as medidas protetivas de urgência a um grupo de vítimas (homens) que atualmente carece de amparo legal específico, corrigindo uma lacuna.

  • Formalização da Isonomia: Contribui para a percepção de que a lei busca proteger a todos os indivíduos da violência doméstica, independentemente do gênero.

  • Reconhecimento da Realidade: Acolhe a realidade social de que homens também podem ser vítimas de violência doméstica, como apontado por estudos acadêmicos citados na justificativa do PL.

  • Alinhamento com Direitos Humanos: Reforça o princípio universal da dignidade da pessoa humana e o direito à proteção contra a violência para todos.

Fraquezas (Weaknesses):

  • Manutenção da Assimetria: Não resolve a questão da impunidade para falsas acusações contra homens, que é um dos maiores pontos de iniquidade do sistema atual.

  • Diluição do Foco Original: Pode ser percebido como uma diluição do propósito original da Lei Maria da Penha, que é a proteção da mulher em um contexto de violência de gênero estrutural.

  • Ausência de Mecanismos Específicos: Não cria estruturas de apoio e acolhimento específicas para homens vítimas de violência, que enfrentam estigmas e barreiras sociais distintas.

  • Complexidade Interpretativa: A inserção de um artigo que estende a proteção a homens em uma lei de proteção à mulher pode gerar complexidades interpretativas e conflitos na aplicação.

Oportunidades (Opportunities):

  • Debate Abrangente: Abre espaço para um debate mais amplo e inclusivo sobre a violência doméstica, reconhecendo suas múltiplas facetas e vítimas.

  • Revisão do Arcabouço Legal: Pode ser um catalisador para uma revisão mais profunda do arcabouço legal de combate à violência doméstica, visando uma legislação verdadeiramente gênero-neutra e equitativa.

  • Coleta de Dados: Incentiva a coleta de dados mais precisos sobre a violência contra homens, tornando o problema mais visível e passível de políticas públicas.

  • Educação e Conscientização: Promove a conscientização sobre a violência doméstica como um problema que afeta a todos, combatendo estigmas associados à vitimização masculina.

Ameaças (Threats):

  • Polarização Política: Risco de a proposta ser instrumentalizada em debates políticos polarizados, desviando o foco da busca por justiça.

  • Resistência Social: Pode enfrentar resistência de setores que veem a medida como um retrocesso nas conquistas femininas ou uma tentativa de deslegitimar a Lei Maria da Penha.

  • Sobrecarga do Sistema: Aumenta a demanda sobre um sistema de justiça já sobrecarregado, sem necessariamente prover os recursos adicionais necessários para a efetiva aplicação.

  • Perpetuação da Impunidade: Sem mecanismos robustos contra a falsa denúncia, a promulgação pode perpetuar a impunidade para quem abusa do sistema, minando a confiança na justiça para todos.

6. Casos Emblemáticos: A Percepção da Justiça em Xeque

O caso de Suzane von Richthofen, condenada pelo assassinato dos pais, e o caso do ex-goleiro Bruno Fernandes, condenado pelo assassinato de Eliza Samudio, ilustram a percepção de desequilíbrio na aplicação da justiça. Enquanto Suzane progrediu de regime após cumprir parte da pena, Bruno enfrentou maior resistência social e jurídica, apesar de ambos terem cometido crimes de extrema gravidade.

Conclusão

O PL 4954/2025 representa um avanço na proteção de vítimas de violência doméstica, mas evidencia a necessidade de um debate mais amplo sobre a equidade de gênero no sistema jurídico. A justiça não pode ser um campo de batalha entre os gêneros, mas um espaço de proteção e responsabilização equitativa. É imperativo que o ordenamento jurídico brasileiro evolua para garantir que a balança da justiça não penda excessivamente para um lado, mas que seja um verdadeiro símbolo de equilíbrio e equidade.

Referências

  1. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

  2. BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha.

  3. BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

  4. BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

  5. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. São Paulo: Saraiva, 2011.

  6. ADI 4424, Supremo Tribunal Federal, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 09/02/2012.

  7. Convenção de Istambul. Conselho da Europa, 2011.